Nota do Blog: Esta matéria foi publicada originalmente no site Conexão Sesc.
A história de Márcia Regina da Silva começou a mudar quando perdeu parte da audição devido ao ruído excessivo das máquinas na fábrica de roupas em que trabalhava. “Tudo ficou mais difícil. Eu não compreendia o que era dito e ficava perdida em situações sociais e profissionais”, relembra a atendente na unidade São João de Meriti do Sesc no Rio de Janeiro.
Os desafios não pararam por aí: em 2006, após concluir a Formação de Professores do Ensino Médio, ela recebeu a aprovação em um concurso público, mas, no exame médico, foi impedida de assumir o cargo porque a perda de audição, informada no ato da inscrição, havia aumentado. “Por um acaso da vida, vi um anúncio do Sesc no Rio de Janeiro informando que estavam contratando pessoas com deficiência”. Márcia fez a inscrição e foi escolhida para a vaga: “Me deram uma nova chance, um novo caminho”.
Na unidade em que trabalha, ela conta que atua com outras pessoas com deficiência e que, por lá, respeito à diversidade e à inclusão está presente no dia a dia. “Os funcionários com mais tempo de casa ajudam os que estão chegando na superação das dificuldades iniciais. Dar oportunidade é fundamental para mudar o pensamento de que somos inferiores. Claro, precisamos de um pouco mais de tolerância porque a dificuldade existe, mas somos capazes de trabalhar para o crescimento da empresa”.
Estima-se que uma em cada sete pessoas no mundo vive com algum tipo de deficiência. Isso corresponde a, aproximadamente, 1 bilhão de pessoas, de acordo com pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, 45 milhões de pessoas possuem algum tipo de deficiência, ou seja, quase 24% da população nacional. E apenas 1% dos brasileiros com deficiência faz parte do mercado de trabalho.
Camila Alves, educadora e deficiente visual, mediou um debate sobre o tema na última edição da Semana Modos de Acessar, tradicional atividade realizada no Sesc em São Paulo, que busca expandir a ideia de que a deficiência não é um fator limitante e, sim, uma característica humana. A programação levou a unidades do Sesc em São Paulo diversas atrações, como espetáculos de dança, teatro, shows e declamação de poesia.
Artistas e profissionais com deficiência estiveram no centro do palco para mostrar seu talento em ações que exploraram diferentes linguagens. Oficinas e mesas de debate tiveram como tema diferentes modos de sentir, ver, perceber o mundo e de experimentar a vida.
“Precisamos que cada um olhe para o seu preconceito em relação a nós, deixando de criar barreiras que nos impeçam de crescer”. A fala é da educadora Camila Alves. Com deficiência visual, ela pesquisa os conceitos de deficiência, acessibilidade e adaptação na sociedade atual.
Quebra de paradigmas
A designer Angelina Antonella trabalha na área de comunicação da Sede do Sesc no Rio de Janeiro e, em breve, publicará seu primeiro livro, uma coleção de contos e crônicas. De fala e pensamento articulados, a jovem de 29 anos, que usa muletas para se locomover, acredita que atuar no Sesc é um passo importante para sua vida profissional. “Vejo aqui uma ótima oportunidade de inclusão que nos dá mais independência e representa uma conquista para a nossa autonomia”, disse.
A designer Angelina Antonella, da Sede do Sesc no Rio de Janeiro, para quem oportunidade é um importante caminho para autonomia PcD
Nas diferentes regiões do Brasil, o Sesc busca trabalhar em prol da inclusão e acessibilidade de PcD. A constante instalação de recursos assistivos nas bibliotecas em todo país é um desses exemplos. A cada ano, é crescente o volume de atividades socioculturais e educacionais receptivas aos mais diversos públicos, adaptadas e direcionadas às diferentes linguagens.
No Espírito Santo, o projeto Novos Sentidos, do Sesc Glória, em Vitória, foi criado para dar mais acesso e oportunidade às pessoas com deficiência. Por meio de oficinas de dinâmicas de leitura, os recursos disponíveis na biblioteca são apresentados e, o principal, deficientes visuais têm a possibilidade de se aproximarem do universo da literatura.
O psicólogo Carlos Alexandre Nunes é usuário dos recursos de acessibilidade do Sesc Glória, já foi membro de oficinas do Novos Sentidos e, agora, atua como instrutor do projeto: “É um pouco como o ditado que diz sobre não se dar apenas o peixe, mas ensinar a pescar”.
Com edições duas vezes ao ano, o Novos Sentidos foi ampliado para outras linhas de atuação. Visitas guiadas têm sido realizadas para aproximar o público PcD do Sesc. “Funciona como uma porta, aproxima o indivíduo de outros serviços do Sesc que podem contribuir para uma maior qualidade de vida”, destacou Alexandre.
Um bom exemplo da extensão do projeto é o Cine Novos Sentidos, cuja primeira edição ocorreu em março de 2019. Fruto da parceria com a Vivamos Acessibilidade, a iniciativa pretende dar acesso ao público com deficiência visual, auditiva e motora a sessões de cinema especiais, com áudio descrição e interpretação em Libras.
Esporte, uma poderosa ferramenta de inclusão

Viver mais e melhor, superar limites são algumas possibilidades de quem se dedica à prática esportiva. Difundir e estimular o esporte como uma ferramenta que transforma vidas e como instrumento potente de inclusão de PcD são algumas das principais propostas da Paracopa Sesc.
O projeto promove, há mais de 20 anos, em diversos Departamentos Regionais palestras motivacionais, debates, oficinas, vivências e prática de esportes adaptados como xadrez, futsal, natação, tênis de quadra e de mesa, goalball, basquete sobre cadeiras de rodas, bocha adaptada, capoeira, vôlei e atletismo.
Basquete em cadeira de rodas. Paracopa 2018 do Sesc em Sergipe
Além de valorizar atletas paraolímpicos e divulgar modalidades adaptadas, a iniciativa também possibilita a integração entre PcD e pessoas sem deficiência, que têm a oportunidade de praticar um novo olhar sobre a deficiência para além de limitações e conceitos pré-estabelecidos.
Sesc no caminho da acessibilidade
Participante do Poéticas de Acesso, no Sesc Belenzinho, em São Paulo, Philipe Uzun trabalha como motorista e possui deficiência auditiva. Foi para o evento ao lado da esposa, a intérprete de Libras Lívia Vilas Boas, e da filha Lis, hoje com um ano. Enquanto Lívia trabalhava, Philipe acompanhou atividades culturais e e alguns debates da jornada. Ao mesmo tempo, os dois se dividiam nos cuidados com a pequena.
Iniciativas como essa, que propõem, além de programação e debates para inclusão e acessibilidade, espaço para que artistas, profissionais e membros da comunidade PcD participem ativamente do processo de inclusão é, na opinião de Philipe, um caminho fundamental.
“Quando frequentamos e ocupamos os lugares, temos a oportunidade de mostrar que possuímos uma vida normal e diminuir o preconceito”, comentou o jovem.
O Poéticas do Acesso promove mesas de debate e atrações artísticas como teatro, dança e música. Com atividades mensais, a equipe do Sesc Belenzinho passa por um trabalho de sensibilização e capacitação para atender o público de forma ainda mais inclusiva.
Cleilson Barros, de 32 anos, tem nanismo e trabalha como auxiliar de recepção na Loja Ponto de Encontro Sesc no Várzea Grande Shopping, próximo à capital Cuiabá, no Mato Grosso. Provar a sua competência, segundo ele, é um desafio diário. Sua origem vem de uma família com tradição circense, embora, em suas próprias palavras, ele seja “tímido, sério e sem talento para a comédia”. Quando ainda era jovem, vivia de bicos. Apenas depois dos 25 anos, conquistou um espaço no mercado de trabalho, o que foi determinante para adquirir autonomia.
“Sou uma pessoa muito independente, dirijo, mas até nesse simples ato as pessoas demonstram estranheza. Preciso provar sempre minha inteligência e habilidade”, diz Cleilson, que aguarda a chegada da primeira filha em agosto deste ano.
“Hoje, tenho minha autonomia e sou uma pessoa muito independente”, afirmou Cleilson. Na foto, está ao lado da esposa, Weidila Lagares.
O que é normal?
O minidocumentário “O que é normal?” aborda a perspectiva da diferença, adaptação e acessibilidade por meio do depoimento de artistas e membros da causa por direitos das PcDs. Assista e conheça mais sobre o Modos de Acessar.
Uma experiência sensorial no litoral de SP
A menos de dois quilômetros do Sesc Bertioga, no litoral de São Paulo, a Reserva Natural Sesc foi projetada para o visitante desfrutar de experiências imersivas e sensoriais. Em fase final de implementação, a reserva prevê, além de infraestrutura acessível, programação com diferentes linguagens e uma trilha projetada para ser percorrida por qualquer pessoa.

Moradores da região, Joel Dias, de 35 anos, e Priscila Pacheco, de 31, têm Síndrome de Down e frequentam a Apae de Bertioga. No passeio pela Reserva, eles conheceram um pouco mais sobre a fauna e flora locais em uma exposição que usa recursos assistivos para apresentar espécies de animais e plantas típicas da Mata Atlântica. A mostra conta com fotos táteis, esculpidas em alto relevo, de espécies encontradas ali, com descrição em braile. Há também mapa e maquete táteis da futura trilha acessível, entre outros dispositivos.
Com recursos assistivos, a exposição da Reserva Sesc em Bertioga possibilita que todos tenham acesso às experiências sensoriais com a natureza
No passeio, eles conheceram um pouco mais sobre a fauna e flora locais. A dupla fez coro ao falar sobre a importância do local para a cidade e na inclusão social de PcD. “A reserva é muito importante para nós aqui em Bertioga. A visita foi fantástica, e eu aprendi ainda mais sobre preservação da natureza”, contou Priscila.
Foto destaque da reportagem: Espetáculo Percebendo, de Andreza Cavalli. Créditos da imagem: Fabio Stachi.
Você precisa fazer login para comentar.