Nota do Blog: Esta matéria foi publicada originalmente na Revista KIDSin, no ano de 2011.
Aquela velha frase de que religião não se discute não se aplica mais às famílias contemporâneas, que buscam, de maneira leve, mas nem por isso menos séria, estimular algum tipo de prática religiosa junto aos filhos. O objetivo desses pais é garantir não só uma perspectiva além daquilo que se vê, mas também ajudar a garotada a ter uma vivência mais plena e saudável.
Gabriela é filha de Ana Paula Amaral, publicitária e sócia da Dazzling Photobooks. A pequena frequenta as aulas dominicais do templo budista do qual a mãe é membro e, com apenas 5 anos, sempre pergunta quando será o próximo encontro, além de viver fazendo questionamentos a respeito dos temas que desconhece. Gabriela é um exemplo de criança cujos pais acham fundamental o estímulo da prática religiosa à vida dos filhos.
Os médicos Gabriela e Sandro Prior são da mesma opinião e têm o hábito de levar Sophia, de 3 anos, para a evangelização infantil no centro espírita que costumam frequentar: “Acho fundamental para formação do caráter, principalmente com relação à visão ética do mundo e das pessoas. Acredito que a religião pode ajudar muito no que diz respeito à noção de limite e fazer com que minha filha se desenvolva melhor, principalmente nas relações interpessoais”, explica Gabriela, que além levar Sophia à evangelização, costuma ler livros com a temática espírita para a menina e falar a respeito do assunto, sempre que possível citandoexemplos reais, mas acessíveis à criança.
Mas, se em ambos os casos as famílias têm certeza de como se deve lidar com o assunto religião e crianças, muitos pais ainda convivem com questionamentos a respeito de que postura adotar diante do tema e se realmente a fé pode contribuir para a formação dos filhos.
De uma maneira geral, as religiões pregam os mesmos valores, tais
como praticar o bem, viver sob preceitos éticos, o respeitar o próximo e
a natureza. Com base nisso, é que a psicóloga Suely Engelhard, terapeuta de
casal e família e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e da
International Association for Analytical Psychology, acredita na importância do
estímulo à prática de ritos religiosos, sejam eles quais forem, para o pleno
desenvolvimento da criança em vida adulta:
– A religião é um sistema de crenças responsável por dar sentido e pertencimento à vida dos indivíduos e que tem por objetivo principal ajudá-los a se tornarem mais conscientes de sua inserção no universo. É também uma das formas de sugerir e potencializar atitudes positivas frente à vida e é papel da família colaborar para este desenvolvimento. Dessa forma, é bom lembrar que estimular significa tornar algo atraente e com sentido.
Superada a dúvida a respeito da importância da fé na vida desses aspirantes a cidadãos do mundo e que ainda estão em formação, surge outra questão: como fazer isso? A especialista alerta que todo o cuidado é pouco para que não se confunda o ato de incentivar com o de forçar o filho à prática religiosa:
– Motivar a criança a
conhecer o desconhecido, mostrando o valor de um novo aprendizado, é algo que
deve ser feito de maneira lúdica e agradável. Os pais precisam tornar a prática
de uma crença um desafio e não uma obrigação, com castigos impostos. O ideal é
sugerir a ida da criança ao templo, ao culto ou às missas mas, se ela não
quiser, não é saudável puní-la. Além disso, um bom artifício para fazê-las
adquirirem gosto pela crença é contar as histórias, falar dos
personagens principais do credo e das personalidades relevantes da atualidade
que são fiéis daquela causa.
Como religião é um assunto pra lá de polêmico, há ainda outra situação: quando o casal tem religiões diferentes. É o que acontece na família da assessora de imprensa Fernanda Cotta. A família dela tem formação católica, já o marido é umbandista. Quando se casaram, decidiram que o filho iria ser batizado tanto na Igreja quanto na umbanda e, hoje, o pequeno acompanha Fernanda e o marido às reuniões do centro de Umbanda e adora ficar ao lado do som dos atabaques.
Outra experiência que mostra uma das maneiras como as famílias modernas estão lidando com a religião é a de Maria Goldberg, que também teve formação católica, mas casou-se com um judeu. Como ela é mais flexível em relação à religião do que o marido, que é mais ligado às crenças, decidiram de comum acordo que a filha teria educação judaica:
– Acho importante que ela saiba as origens dos pais e que tenha discernimento sobre os dogmas das religiões, de modo absorver o que elas têm para ensinar. No entanto, não concordo com aquilo que é exagerado, pois não beneficia a ninguém.
Pensa que acabou? Há ainda mais uma situação que costuma deixar os pais de cabelo em pé: quando os filhos escolhem por conta própria uma religião completamente diferente da dos pais ou da família. Nesse caso, a dica da psicóloga Suely Engelhard é ter jogo de cintura e sensatez, para não recriminar a escolha da criança:
– Se ensinamos a respeitar as diferenças, devemos ter esta atitude com a escolha que a criança faz, procurar conhecer a proposta que esta religião traz e, como isto, responder as questões dela de modo mais abrangente do que a religião que lhe oferecemos como caminho espiritual anteriormente.
A orientação final da psicóloga para os pais é que eles devem vislumbrar na religião uma maneira de ensinar e estimular nos filhos o respeito às diferenças. Além disso, os pais devem buscar orientação sobre os diferentes credos religiosos para esclarecerem os filhos: “Conhecer é o melhor caminho para compreender diferenças e fazer escolhas mais conscientes”.
Uma maneira de aprender a respeitar as diferenças
As religiões mais praticadas no mundo são o cristianismo, o Islamismo, o judaísmo, o induísmo, o budismo e o espiritismo. No Brasil, há ainda as religiões afro-brasileiras, resultado da mistura do cristianismo e das práticas tipicamente africanas, que se fundiram no tempo da colonização. Atualmente, o país se destaca por um caráter religioso bastante forte, cujo sincretismo é a palavra mais fiel à mistura de credos praticada aqui. Por todo o mundo, observamos ondas enormes de intolerância religiosa. Embora no Brasil não exista radicalismo no que diz respeito às diferenças de credo, é preciso que os pais, sejam eles da turma dos que valorizam, ou dos que não julgam importante a prática religiosa, ajudem os filhos a compreenderem e conviverem com as diferenças, e vislumbrem na religião uma maneira de estimular o respeito ao próximo, que pode ser, inclusive, estendido a outras áreas da vida. Certamente, a criança vai encontrar algum coleguinha na escola com hábitos diferentes dos dele e é preciso evitar confrontos nesse sentido.
O mais importante é saber que, para algumas famílias, a religião é algo que faz parte do dia a dia e funciona como uma instituição. É algo natural e que faz parte da dinâmica familiar, vivenciada pelos pais e pelos filhos, que por tabelapraticam e vivenciam as crenças e acabam tomando-as para si. Já para outras, a religião não é algo tão presente e forte no cotidiano e é necessário que parta dos pais a atitude de mostrar, ensinar e, principalmente, respeitar essas diferenças. Afinal, a melhor maneira de ensinar qualquer coisa é por meio do exemplo.
* Uma dica para os pais que querem fazer com que os filhos compreendam melhor as religiões de todo o mundo e o papel delas na vida dos seres humanos é o livro A Viagem de Théo (Editora Companhia das Letras), da autora Catherine Clément. A obra é um romance sobre as crenças mais populares do planeta e que reforça a necessidade de se permitir que as crianças possam escolher o credo que querem seguir.
Foto da postagem: Gursimrat Ganda no Unsplash