O estrangeirismo é um fenômeno que faz virar os olhinhos de grande parte das pessoas que trabalham com texto. Comigo é assim também. Coisa mais chata é pegar aquele texto cheio de palavra em inglês (ou outra língua, mas é mais comum hoje no inglês, né?), que tem correspondente em português, cuja colocação caberia adequadamente naquele conjunto, mas foi preterida pela versão anglicana da, digamos, coisa. Mais irritante ainda é quando essas palavras gringas estão no texto TO-DAS italinizadas, poluindo a fluidez e evolução da leitura.
Tacar um monte de palavra estrangeira no texto não só cria uma quebra inconveniente na leitura, como tende a suscitar no leitor a sensação de que o autor tem um ego daqueles e um pedantismo pé no saco.
Como nada na vida é estanque, a diferença entre remédio e veneno pode estar na dose. E, no caso dos estrangeirismos, no contexto em que são utilizados também.
Viver sem cafuné e dengo, quem quer?
Verdade seja dita, o estrangeirismo não é um fenômeno atual (embora ele seja dado, de fato, a modismos). O latinismo, origem de tudo. Em paralelo, o helenismo. Tivemos a época de ouro do galicismo, com todo o seu esplendor no Brasil do século XIX. E o que seria da nossa cultura sem o africanismo? Sem todas as palavras sonoras e belas que fazem parte do nosso vocabulário e têm origem africana? E, ainda, sem o tupinismo (e aqui, quero deixar claro que o estrangeirismo é um fenômeno para além de questões linguísticas per se, óbvio, incluindo questões coloniais e decoloniais. Mas esse é um denso assunto, sobre o qual não tenho competência para versar e não é o objetivo deste texto)? Vamos lá, me diga: você gostaria de viver num Brasil sem palavras como axé, cafuné, dengo? E sem tapioca, carioca, guri, caju, capim? Eu não!
Agora, com a globalização, o avanço da ciência e da tecnologia e o marketing digital, reina o anglicismo. O emprego de palavras em inglês nos nossos diálogos e na escrita em português é corriqueiro. Na televisão, no jornal diário, em reuniões (ou eu deveria dizer meetings?), e-mails e relatórios burocráticos ou analíticos nas empresas em que trabalhamos, o inglês está lá, fazendo a gente estremecer e pensar: “mas precisava mesmo usar essa palavra em inglês?”.
Em defesa do estrangeirismo
A verdade é que, às vezes, precisa, sim. Há algumas expressões que ainda não ganharam um correspondente na língua portuguesa. E não só isso, mesmo o “talvez correspondente” pode não ser assim tão correspondente com a ideia do que se quer expressar ou, ainda, soar como um grande remendo de pano roto dentro de uma frase: remendou, mas ficou feinho, né? Aí, eu não sei você, mas acho que ‘tá beleza usar um estrangeirismozinho, né?
E não sou eu quem digo, é a Academia Brasileira de Letras (ABL).
Estrangeirismo como aliado de quem escreve
Diversas vezes, participei da redação de projetos institucionais em que o uso de estrangeirismo era não só liberado com responsabilidade, como, principalmente para mim, bem-vindo (poderia dizer friendly também – risos).
Para redatores, estrangeirismos podem ser bons coringas na comunicação e servir como sinônimos e correspondentes em conteúdos muito longos, deixando a leitura mais fluida e leve. Taquei esse parágrafo e saí correndo!
Claro que não é sair por aí colocando estrangeirismo a torto e a direito na literatura (sem justificativa, claro), na receita de bolo do caderninho, no bilhete pro namorado (tá, nesse pode!) ou, ainda, em avisos do condomínio. No entanto, utilizá-lo de maneira coerente, principalmente em conteúdos corporativos, em que a presença de determinada palavra se justifique e até soe como um alívio ao eco do texto, é, a meu ver, uma prática bastante digna e aceitável.
Italinizar ou não italinizar?, eis a questão
Liberado o uso de estrangeirismo, a questão seguinte é: quando dar ou não grifo a ele no texto?
A regra diz que a gente só italiniza palavras estrangeiras quando ainda não incorporadas oficialmente ao nosso idioma, preferencialmente pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o querido e amado Volp. Mas, na prática, não funciona beeem assim, e as pessoas acabam não italinizando algumas palavras por já fazerem parte do nosso dia a dia e vocabulário corrente. Sem falar que, algumas vezes, o Volp não registra, mas alguns dicionários sim. Ai, nossos sais!
Ainda, esse critério de italinizar ou não pode mudar e ter regras distintas para diferentes instituições. Algumas empresas e até editoras indicam em seus manuais palavras que DEVEM ser italinizadas sempre, por exemplo. Então, além de bom senso (a melhor habilidade de todos os tempos, amém), é preciso entender que conduta a empresa/instituição aconselha.
Quando fico em dúvida sobre italinizar palavras, recorro, em primeiro lugar, ao Volp. Se lá não tiver registro e mesmo assim eu achar a palavra muito corriqueira entre nós, suspeitar que o itálico possa pesar no texto, vou a outros dicionários. Em alguns casos, recorro, ainda, a buscas na internet para checar como a palavra tem sido usada em português.
Além da regra, do bom senso e do meu instinto, levo em conta o contexto em que a palavra está sendo utilizada, o registro e o gênero do texto. Ah, vale também avaliar questões de paralelismo e padronização. Por vezes, uma palavra que deve ser italinizada pode ficar sem o grifo por conta de idiossincrasias da obra em questão, principalmente se forem livros de ficção ou poesia.
Na minha prática profissional, nos casos em que entendo que o uso do estrangeirismo é justificado*, busco dosar regra com certa tendência a deixar o grifo apenas em palavras que me deem a percepção de serem “mais desconhecidas” pela língua oral/normativa.
* Ter no texto uma palavra estrangeira pode fazer sentido para o todo daquele conteúdo ou para expressar determinada ideia do autor. Nesses casos, acredito que valha avaliar e preservar a escolha do autor. Mas, no meu entendimento, se o uso de determinada palavra estrangeira não se justifica, pode causar alguma dúvida ou ser facilmente substituída por um termo correspondente em português, vale buscar este termo. Um alerta: se o texto for mais autoral, é importante deixar sempre como sugestão esta troca a quem escreveu, pois, mexer implica desrespeitar a escrita do autor.
Já palavras que entendo como incorporadas largamente ao vocabulário corrente, que vemos na televisão, em propagandas, jornais e revistas impressas, em artigos da internet, no dia a dia profissional, tendo a deixar em redondo.
Ah, e tem mais um detalhe. Se o livro em questão, cravejado de estrangeirismos, dos mais sortidos, assimilados ou não, for um livro de marketing ou tecnologia, por exemplo, em que aparecerão muitos termos importados, o ideal é abrir mão, se possível, dos itálicos. Que leitura maçante seria um texto que toda hora quebra pro ladinho no itálico…
Estrangeirismo apenas vernacular, por favor
Se posso dizer que sou simpática aos estrangeirismos com moderação a termos e expressões, não posso dizer o mesmo sobre o uso equivocado da construção sintática de outras línguas ao português.
Também tenho implicância com a assimilação de falsos cognatos à nossa língua para definir aquilo que eles parecem e na verdade não são, como usar “realizei” como sinônimo de percebi ou entendi oriundo de “realize” do inglês.
Mas esses dois assuntos são outros quinhentos. Hasta la vista, baby!

*É importante deixar registrado que não sou professora de português, muito menos linguista. Tudo aqui escrito foi feito sob a ótica de alguém que trabalha com o texto. Para visões acadêmicas, vejam o canal do YouTube da ABL, citado na postagem.
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