Livros afetivos: uma jovem leitora

Os primeiros livros que eu me lembro de ter lido eram de uma série da Turma do Mickey (Pato Donald, Margarida, Pluto, Minnie): um box com seis histórias, que ganhei quando tinha uns sete anos. Claro que eu já tinha outros livros, que os adultos liam para mim e comigo, porém, recordo de passar bons momentos com o Mickey e seus amigos a tiracolo.

Por quê? foi outro que marcou muito meus sete ou oito anos e explicava sobre coisas curiosas e divertidas, como por que nosso reflexo fica ao contrário quando nos olhamos em uma colher. Se me lembro bem, herdei da minha madrinha. Passei muitas tardes descobrindo e redescobrindo coisas com aquelas páginas. É uma pena que esse livro tenha se perdido pelos anos, seria bom poder folheá-lo hoje com meu filho.

A minha história com os livros teve início mesmo lá pelos doze anos. Enchi o saco da minha mãe para comprar este livro para mim, O diário de Zlata: a vida de uma menina na guerra (Zlata Filipovic). Não lembro de onde saiu a referência, a dica, mas cheguei até ele (ou ele chegou até mim). Era um sábado, e eu sou capaz de visitar até hoje a sensação daquele dia: uma tarde inteira jogada no sofá, com os olhos vidrados naquelas linhas.

Em seguida ao Diário de Zlata, que foi minha primeira escolha de leitura consciente, memoro de ter passado a misturar as leituras clássicas “sugeridas” na escola (com certa displicência, claro, já que muita coisa era de difícil compreensão para os meus doze, treze anos, com temas muito distantes da minha vidinha adolescente. Desses, creio que dois na época me fisgaram: Cortiço [Aluísio de Azevedo] e Senhora [José de Alencar]) e descobertas próprias, livros que me chegavam pelas revistas da época (Capricho), tevê e amigos.

Li muita mitologia grega e até um Paulo Coelho (e acredite, foi um livro que me agradou, o Veronika decide morrer). Li de Bridget Jones a Tony Bellotto.

Nessa jornada neófita, alguns livros me marcaram de forma mais afetiva. Não, talvez, pelo conteúdo, mas pela mágica com que só um livro é capaz de nos envolver e com a qual eu fortalecia laços a cada obra. Pode não ser uma lista de clássicos ou mesmo um conjunto erudito, mas contribuíram para a minha trajetória como leitora e me despertam sentimentos felizes quando penso neles ou cruzo com exemplares em algum lugar (principalmente nas mãos de outras pessoas).

Pássaros feridos – Li em uma viagem de verão com a família por volta dos 14 anos. Não é exatamente um livro para uma pré-adolescente. Era da minha mãe (ainda é, na verdade. A foto que ilustra este post é o nosso exemplar e foi tirada por mim, semana passada, na casa dela) e marcou a juventude dela na década de 1970. É um romance grande, umas 700 páginas, que narra uma saga familiar e o amor entre um padre e uma moça.

Depois daquela viagem – Lembro de ter sido impactante, pois é uma obra autobiográfica, escrita por Valéria Polizzi, infectada com HIV pelo primeiro namorado. A autora devia ter, na época, uns dez anos a mais que eu, então, aquele conteúdo dialogava com o meu universo adolescente. Pode ser indicado para jovens a partir de 15 anos.

Feliz ano velho – Um livro tocante, forte e inesquecível este que narra como o jovem Marcelo Rubens Paiva lidou com a vida após ter ficado tetraplégico aos 20 anos. Super recomendado para jovens a partir dos 16 anos.

As brumas de Avalon – Quantas horas de encanto e magia passei com esses livros! Uma história, em muitos aspectos, feminista e, ainda, escrita por uma mulher, a norte-americana Marion Zimmer Bradley.

Rainha dos Condenados – O primeiro da minha fase Anne Rice – que não foi pequena. Devo ter lido com uns 16 anos. Sempre curti história de vampiros e antes mesmo de o Vampiro Lestat fazer sucesso em Entrevista com Vampiro, estrelado por Tom Cruise e um melancólico Brad Pitt no papel de Louis, eu já tinha sido capturada por eles.

Trilogia As Crônicas de Artur, “O rei do inverno”, “Inimigo de Deus” e “Excalibur”, de Bernard Cornwell – Trata-se de uma ficção histórica que parte da mitologia arturiana. Foi interessante ler as crônicas de Artur nessa trilogia porque, diferente da magia das Brumas de Avalon, a lenda era contata sob um ponto de vista histórico e social. Então, se em Brumas de Avalon, Merlin era um mago, generoso, forte e cheio de poder, em Bernard Cornwell, ele era um senhor feudal com hábitos de higiene duvidosos e todo trabalhado nas superstições. Se não mais crível historicamente à época, certamente, interessante.

Pouco amor não é amor – Esta reunião de contos rodriguianos, escritos na década de 1950, iniciou minha caminhada da vida com Nelson Rodrigues. Li como parte da grade de uma disciplina do meu primeiro semestre na faculdade de jornalismo e não imagino minha jornada sem esse encontro. Eu e Nelson nos amamos desde então.

Abusado: o dono do morro Dona Marta, Caco Barcellos – Apesar de eu já ter uns 20 anos quando li esse livro, afinal, ele é de 2003, acho que, com ele, encerro bem a primeira fase leitora da minha vida. Nesse período, comecei a ter dinheiro para comprar mais obras e já tinha um pensamento crítico mais delineado, com a faculdade e o início da vida profissional. Tenho muita vontade de reler esse material, aliás, está decidido, em homenagem a esse resgate, será a minha próxima releitura.