Pelos muros da cidade!

Nota do Blog: Esta matéria foi publicada originalmente na Revista KIDSin, no ano de 2012.

Grafite não é pichação! É arte. Se dentro de casa o seu “pequeno vândalo” ou a sua “pequena delinquente” adora rabiscar uma parede aqui, outra acolá… Que tal colocar essa vontade toda para fora em uma arte que de rabisco não tem nada? O grafite existe desde o Império Romano e, durante muito tempo, foi considerado uma expressão marginal, livre de qualquer sentido artístico. Hoje, figura como modalidade artística de honra na galeria da arte urbana (ou, street art, lá fora, onde os grafiteiros tupiniquins têm feito o maior sucesso).

As obras de arte estampadas pelos muros das grandes cidades são inusitadas, cheias de humor e carregadas de sentido. Acima de tudo, são coloridas e suas linhas passeiam por diferentes gêneros e estéticas, flertando até com o universo infantil, por meio da memória de seus artistas, personagens, traços e representações bonitinhas da realidade.

Fazendo uso do espaço público para interferir na cidade e, claro, causar algum tipo de reação com a mensagem que passam, os grafites encantam os olhos e despertam a curiosidade a respeito de seus autores, que usam e abusam de referências do incrível mundo das crianças. Fique com a gente nas próximas linhas, conheça esses artistas e descubra o que vai por debaixo dos sprays espalhados pela cidade.

A artista plástica Nina Pandolfo se dedica ao grafite desde 1992, mas ficou conhecida pela arte apenas em 2000, quando começou a fazer exposições de seu trabalho. Os desenhos de Nina são delicados, femininos, doces e cheios de significados, lembrando, muitas vezes, o universo onírico. É como se, ao olhar para eles, nossos olhos mergulhassem memória adentro em busca do que as referências representadas possam sugerir. Há bonecas delicadas (e fofas), corações, meninas estilizadas cujos olhos refletem outra menina usando uma coroa, pirulitos em forma de bengala, e muito mais. Nina não faz segredo sobre o fato de sua obra ser diretamente relacionada a uma infância profícua de ideias e imaginação.

Nina Pandolfo

– Meu trabalho sempre teve uma relação com minha infância, que foi bem criativa e que, pra mim, é fonte de muita inspiração. Cresci brincando no jardim, criando brinquedos e brincadeiras.

Grafiti de Nina Pandolfo

Na opinião da artista, o grafite, além de encher os olhos, tem outro significado bastante importante na vida das crianças. Para ela, as obras, que carregam em si um caráter “divertido”, chamam a atenção dos pequenos e acabam por despertar o interesse pelas artes. “Por estarem na rua, bem na passagem de todos, pelas imagens coloridas e por alguns trabalhos serem bem ‘divertidos’, creio que, para os pequenos, estar no trânsito observando todo esse entorno, por exemplo, não seja tão ruim assim. E, como não é muito comum levarmos as crianças em excursão para exposições de arte, não lhes proporcionamos uma vida cultural ativa. O grafite é, então, uma maneira de começar a educar os olhos para o mundo da arte. Um começo, um despertar”.

No currículo de Nina Pandolfo, algumas incursões no mundo das crianças de hoje. Em Cuba, a artista realizou um workshop com meninos e meninas autistas. Já na França, Nina pintou a parede de uma escola com o acompanhamento dos alunos e, mais recentemente, em são Paulo, realizou um workshop com adultos e crianças.

O grafiteiro Marcio Swk (diz-se ‘Suki’) está no ramo há 11 anos. Ele é um dos artistas mais conhecidos no Brasil e no exterior, já participou de exposições, mostras e até mesmo de um livro que reúne grafiteiros da cena mundial (originado no projeto ‘Exchange Project’). Há exatos sete anos, Swk sobrevive da arte e é um dos fundadores dos coletivos SANTACREW e FLASHBACKCREW – no momento um dos mais badalados do país. Sobreviver do grafite é para Swk um sonho, que ele divide com as crianças ensinando o ofício em oficinas regulares no Rio de Janeiro, no Clube Campestre, Alto Leblon:

– O curso foi acontecendo de uma forma espontânea. Desenvolvíamos um trabalho por lá e, enquanto os pais ficavam no clube, as crianças acabavam acompanhando a gente, desenhando. Cada uma foi chamando outros amiguinhos e a família estava formada. Hoje as aulas acontecem uma vez por semana, sempre às sextas, no período da manhã e da tarde.

Essa não foi a primeira experiência de Swk com o universo infantil, que, aliás, o grafiteiro acredita estar conectado com o grafite por conta das cores, criatividade, alegria e outros aspectos do bem que permeiam a arte e o mundo dos pequeninos. No passado, durante um ano, já como artista reconhecido pela modalidade, ele ensinou jovens de uma instituição correcional a grafitar:

– Tive a maravilhosa oportunidade de passar o meu trabalho para esses jovens que, apesar de terem realidades totalmente diferentes do comum, apresentam um denominador: todas elas são crianças que têm uma facilidade enorme de aprendizado, pois estão com seus cérebros fresquinhos. O que buscamos nas aulas é apresentar mais uma opção de trabalho ou style de vida. Tem crianças que estão conosco há exatamente quatro anos no Campestre.

Uma tartaruga chamada Jorge e uma divertida barata que usa máscara de gás. Esses são os personagens de Binho, um dos pioneiros do grafite no Brasil e na América Latina, que dialogam sem intermediários com o público infantil. A identificação acontece por conta dos elementos presentes nos desenhos, que são fórmulas exatas para as crianças: fábula, um singelo bom humor e cores! “A linguagem do grafite atrai diversos públicos, mas as crianças são, certamente, as mais próximas. Tenho diferentes linhas de diálogos com elas, como os personagens que criei e o uso que faço das cores em minhas obras”.

Binho também realiza oficinas de pintura e de desenho em São Paulo e busca, sempre que possível, promover ações ligadas à educação e mostras de arte para crianças. O objetivo é estimular, além do sentido estético, a busca inerente das crianças, na opinião do artista, em romper barreiras por meio da arte, onde tudo é possível.

Grafiteiros-mirins em prática

Os irmãos Nicolau (15 anos) e Pedro (13 anos) são alunos das aulas de grafite de Swk no Clube Campestre. Os dois meninos praticavam há três anos, quando um deles, o Nicolau, teve de parar por conta do horário na escola. Mas Pedro segue nas aulas e os dois, juntos, adoram tudo o que é relacionado ao grafite e culturas que orbitam o entorno da arte, como skate e o rap, outras manifestações artísticas de rua. Mãe da dupla, a empresária Martha Locatelli é a maior incentivadora da prática:

– Além de desenvolver muito a criatividade e a técnica do desenho, acho que a convivência com Jou (parceiro de Swk nas aulas) e Swk é muito legal, pois são pessoas bacanas, especiais e considero uma boa influência na formação dos meninos. Fico impressionada com a concentração das crianças em aula. Elas ficam uma hora e meia sentadas, focadas nos desenhos.

Já os meninos? O que eles curtem? Bem, a grande onda deles é quando chega o momento de, depois de todas as aulas práticas, soltar a criatividade, se libertar e pintar os muros para olhar e depois dizer “quebrô”, gíria do idioma “grafitês” e que é utilizada para expressar a alegria de um grafite super bem elaborado.

Aulas de grafite no clube Campestre, inscrições: marcioswk1@gmail.com ou jouzitos@hotmail.com

Para ver mais do trabalho de Binho, acesse www.flickr.com/binhone

Confira a obra de Nina Pandolfo em www.ninapandolfo.com.br